A vontade de se ter algo que não faz parte da sua vida, por muito desejo ou simplesmente ganância já levou milhares de pessoas à loucura extrema.

O balançar dos cabelos médios, castanhos e com luzes louras aumentava conforme Daniela apertava seus passos nos corredores de uma grande empresa localizada na cidade de São Paulo. Estava aflita e apressada para a apresentação da primeira fase de um grande projeto imobiliário.

Daniela, uma mulher de meia idade, executiva de alto padrão e rodeada de luxos, conhecida por todos por sua ambição e a vontade de querer sempre mais, nunca perdeu um bom negócio e a cada nova conquista mais poderosa se tornava.

Já na sala de reuniões com mais meia dúzia de homens barrigudos, semi-carecas, com trajes sociais, do tipo que aspiram dinheiro, Daniela seduzia por sua inteligência e certa arrogância indomável nas palavras, sua voz marcante ecoava por entre os executivos, dando um tom hipnótico na apresentação, dificilmente alguém negaria algo a aquela bela mulher.

A reunião logo terminou, um tom sombrio e misterioso pairava sobre a sala, a primeira fase da reunião não foi bem sucedida, Daniela pela primeira vez em sua brilhante carreira deslizou nas próprias palavras e deixou vários dos executivos em dúvida quanto ao fechamento do negócio. Uma nova reunião foi marcada para dali a um mês.

Daniela parecia não acreditar no que estava acontecendo, o que há horas atrás era pura confiança se transformou em decepção e vontade de vingança. Nunca ninguém havia posto à prova seus projetos de venda, tão pouco meia dúzia de senhores à beira da morte.

A decepção foi tanta, que Daniela passou o dia a resmungar pelos cantos da empresa. Ninguém se atreveu ao menos a olhá-la nos olhos, tão pouco trocar palavras.

A única amiga de Daniela era a enfermeira da empresa, uma senhora com mais de cinqüenta anos. De poucos amigos, assim como Daniela,  a enfermeira Norberta parecia sempre esconder um segredo, seu semblante era castigado pelo tempo, com fortes marcas de expressão e manchas envelhecidas e o mais assustador:  a falta do olho direito,  enquanto o esquerdo reluzia um tom  de azul penetrante.

Daniela passou boa parte da tarde conversando com Norberta, já era quase noite, praticamente todos da empresa já tinham ido embora foi quando o assunto entre as duas começou a ganhar corpo e com o passar das horas Daniela se interessava mais pelo que vinha da boca grande e com mau hálito da enfermeira.

Norberta foi seduzindo Daniela, ao ponto de chegar a sua fraqueza: a busca pelo poder. Dos fundos de um armário velho, escondido atrás de umas caixas com seringas e agulhas, Norberta retirou um pequeno caderno empoeirado e com folhas envelhecidas, sem comentar nada entregou nas mãos de Daniela e nada mais disse. Recolheu seu casado de lã desbotado, despediu-se de Daniela com um olhar profundo, transmitindo um sentimento sombrio.

Daniela escondeu o caderno em sua bola e seguiu com passos curtos e rápidos para o estacionamento.

No caminho para casa, enquanto dirigia, não conseguia esquecer as palavras de Norberta, ao mesmo tempo em que se contorcia de curiosidade para conhecer o conteúdo do velho caderno.

Daniela era separada e morava com sua mãe e filho. Dona Marilda uma doce senhora de 75 anos, que mesmo com a idade avançada cuidava da casa com delicadeza e perfeição nunca aprovou que sua filha fosse uma pessoa tão ambiciosa e poderosa. O pequeno Pedro Henrique de seis anos é fruto de uma relação passageira de Daniela com um executivo alemão, em uma passagem a negócios pelo Brasil.

Ao longe já se poderia escutar o carro acelerado de Daniela adentrando a rua de sua casa, localizada num luxuoso condomínio fechado.

Sem muitas palavras e com rosto aflito, Daniela logo estacionou, recolheu suas pastas no carro e seguiu rapidamente para seu quarto, aflita para descarregar suas energias e ler o conteúdo do caderno misterioso de Norberta.

Dona Marilda estava com o jantar pronto na mesa. Pedro Henrique já havia comido, mas esperava pela mãe. Daniela se quer cumprimentou sua mãe ou olho para seu filho. Os olhos de Marilda encheram-se de lágrimas, pois sabia que algum problema grave assolava Daniela. Pedro Henrique não notou toda esta movimentação e logo dormiu.

Durante a noite, quando o silêncio fúnebre cobria todas as casas do condomínio, Daniela iniciou sua leitura do pequeno caderno de Norberta. Eram textos antigos, escritos de forma coloquial. Logo no início as palavras do caderno pareciam se formar magicamente diante os olhos de Daniela, uma sensação estranha, mas que ao piscar insistentemente se convenceu de que poderia se tratar de efeitos do sono.

Ainda nas primeiras páginas Daniela notou que se tratava de um livro de magias, assunto que ela sempre ignorou, mas que no fundo sempre acreditou. Mesmo sem perceber passou horas lendo as tais fórmulas mágicas, em certo momento notou que algo estranho acontecia com as palavras do livro, esfregou os olhos e logo viu que tudo estava normal, mas que desta vez uma das páginas parecia ter a resposta para seus tormentos.

Daniela leu atentamente um trecho que dizia: “Aos males que te afligem eu tenho a resposta, para as vontades que se escondem eu tenho a solução, a mim você deve um sacrifício”, logo abaixo desta inscrição  uma fórmula com ingredientes e mais palavras afirmava que no final do processo que duraria exatos 30 dias, o consulente teria o que desejasse.

Daniela adormeceu sobre o livro e durante uma noite turbulenta teve alguns flashes de sonhos com o rosto de Norberta, principalmente seu olhar misterioso.

No dia seguinte de volta a empresa e já na sala de Norberta, Daniela demonstrou interesse na magia do caderno, questionou a velha sobre a funcionalidade de tudo aquilo. A enfermeira abriu um sorriso fétido, segurou o braço de Daniela e disse:” - Não duvide de minhas orientações, eu sei o que você quer e você sabe o que eu quero”, neste momento Norberta olhou profundamente para Daniela, que tentou esquivar-se, mas topou o desafio. Na mesma noite Noberta iria até a casa de Daniela e juntas realizaram o ritual.

Naquele dia Daniela, tentou se concentrar no trabalho, mas ficou atormentada, com muitos pensamentos estranhos passando por sua mente.

No início da noite, Norberta já aguardava Daniela na saída da empresa com uma sacola repleta de objetos que Daniela nem se atreveu a questionar.

Durante o trajeto até o condomínio, Norberta permaneceu muda, apenas o seu olho azul refletia as luzes dos outros carros das ruas. Daniela também permaneceu calada e suas mãos demonstravam seu nervosismo.

Após 32 minutos de viagem, as duas chegaram ao seu destino. Daniela educadamente convidou Norberta para entrar, a enfermeira assim o fez e dirigiu-se sozinha para o quarto de Daniela, como se já conhecesse o caminho. Dona Marilda olhou apavorada aquela cena, não sabia do que se tratava e não obteve qualquer explicação de sua filha.

No caminho para o quarto de Daniela, Norberta encontrou com Pedro Henrique, que como uma criança doce e educada de lindos cabelos louros e estalantes olhos azuis a cumprimentou com um sorriso ingênuo. A velha o acariciou e elogiou seus belos olhos, mostrando a ele que o único olho dela também era azul. O garoto se impressionou com o buraco no local do olho direto, mas antes de conseguir tocá-lo sua mãe pediu para que ele fosse dormir.

Norberta adentrou o quarto e rapidamente espalhou os objetos que trouxe em sua sacola. Dentre eles: ervas estranhas, um punhal antigo, velas azuis marinho  e o mais impressionante a cabeça de gato cinza de olhos azuis.

Daniela apavorou-se ao ver todos aqueles itens sobre sua cama, mas o desejo em vencer e conquistar o negócio imobiliário foi maior e superou seu medo.

Norberta apenas se apossou de seu caderno enquanto orientava Daniela no ritual macabro. Primeiramente acendeu a vela em seguida espalhou por todo seu quarto, pedaços das ervas e o mais aterrador dos passos foi feito por último: mutilar a cabeça do gato, do centro dos seus miolos retirar uma pequena parte, mastigar e engolir. Durante o ato, Daniela sentiu a consistência gelatinosa e viscosa do cérebro do gato, era uma sensação tão aterradora que quase a fez desistir se não fosse a insistência de Norberta.

O ritual durou quase duas horas, Daniela devorou diversos pedaços do cérebro do felino até se enojar e vomitar sobre seu tapete bege de longos pelos.

Ao final Norberta esboçava um sorriso malicioso e sem que Daniela percebesse deixou um pequeno vidro em cima de seu armário, de forma discreta e que não era perceptível.

No quarto ao lado, Dona Marilda ao saber do que acontecia rezava seu terço e clamava por piedade à sua filha. Como uma grande religiosa nunca aceitou rituais, simpatias ou qualquer coisa parecida.

Pedro Henrique permaneceu dormindo sem nada saber do que acabara de acontecer.

Norberta recolheu os objetos restantes  e deixou apenas o punhal, alegando que Daniela poderia precisar dele e que deveria permanecer muito bem guardado.

Ao sair e passar pelo quarto de Dona Marilda, Norberta emitiu um olhar assassino de ódio, como quem desaprovava as orações e a fé da doce senhora.

Daniela estava assustada, mas certa de que fez o melhor para sua carreira e seus projetos.

Os dias foram se passando, Daniela parecia estar totalmente dedicada na segunda fase de seu projeto que seria apresentado dali a alguns dias. Desde o dia do ritual não havia mais falado com Norberta, mas sabia que de alguma forma havia uma ligação estranha entre as duas.

Na casa de Daniela, Dona Marilda, ainda inconformada com o caminho que a filha escolheu, tentava todas as noites rezar para reverter a maldade daqueles atos.

Durante uma tarde levemente nublada, Marilda estava arrumando o quarto de Daniela, quando ao esbarrar no armário da filha derrubou um estranho vidro, não muito maior que um vidro de geleia, contendo um líquido escuro, ao observar contra a luz viu bem no meio um olho azul, conservado, mas levemente apodrecido. O choque foi tão grande que Dona Marilda apenas teve forças para retorná-lo ao local de origem e ir para seu quarto recuperar do susto.

Dona Marilda permaneceu imóvel durante horas, até que chegou a noite, esperava aflita por sua filha, mas acabou adormecendo, era tarde e Daniela ainda não chegara.

Ainda na empresa Daniela, estava misteriosamente furiosa, não sabia ao certo o motivo, mas sentia dentro de si uma raiva incontrolável que a levou ficar algumas horas a mais adiantando alguns projetos.

Algumas horas depois e já próximo das 11 da noite, Daniela chega em casa e pouco quis saber do que se passava, entrou logo em seu quarto, caiu na cama  e lá ficou, sua raiva era tanta que estava incapaz de fazer algo.

Por volta das quatro da madrugada, Daniela acorda com fortes dores no braço, estava dormindo de mau jeito, quando virou-se sentiu algo estranho em sua cama, acendeu a luz rapidamente e apavorou-se ao notar que o punhal de Norberta estava em sua cama todo sujo de sangue, que acabou por manchar seus lençóis e roupas.

Sem entender bem do que se tratava Daniela o jogou para longe, em gritos histéricos partiu em direção ao quarto de Pedro Henrique que ainda dormia, pegou o garoto no colo e foi em direção ao quarto de sua mãe, mas chocou-se ao vê-la morta embebida em uma poça de sangue na sua própria cama, em seu peito era perceptível de longe um corte profundo em formato de cruz.

Daniela soltou um grito de horror que perturbou Pedro Henrique, fazendo com o garoto gritar incessantemente, o pavor foi tamanho que vizinhos vieram ajudá-los. Em instantes o condomínio ficou tomado por policiais, investigadores e imprensa. Ninguém, nem mesmo as autoridades entenderam o que aconteceu, um verdadeiro mistério ali nasceu.

Daniela foi interrogada, o pouco que se lembrava era de seu sono perturbado e pesadelos com Norberta, mas nada além disso.

O punhal apreendido pela polícia.

Dias de pânico se fizeram na vida de Daniela e Pedro Henrique, as pessoas os condenavam pela morte de Dona Marilda.

Na empresa as pessoas se afastaram e Norberta havia se demitido, ninguém mais soube do paradeiro da enfermeira desde a morte Dona Marilda.

Daniela estava enlouquecida, mas deveria se portar adequadamente pois o dia seguinte seria a grande apresentação e nada poderia dar errado.

Tudo aconteceu como previsto, Daniela se sobressaiu com seu projeto, foi aplaudida em pé por todos os executivos, finalmente um grande passo na sua vida foi dado, muito dinheiro e prestígio estavam por vir.

Parecendo sádica, Daniela pareceu esquecer da tragédia acontecida com sua mãe e apenas se vangloriava pelos corredores. Para ela era sem dúvida o dia mais feliz de sua vida.

Naquela noite Daniela foi comemorar a conquista junto de mais alguns amigos. Se embebedaram e perto da meia noite Daniela foi para casa junto de um rapaz 10 anos mais novo que ela.

Devido a morte de sua mãe contratou uma babá para tomar conta de Pedro Henrique. Logo que entrou em sua casa dispensou a jovem babá e disse que daquele ponto em diante ela tomaria conta dele.

Daniela e Marcelo foram para o quarto, os dois bêbados ficaram por horas transando, até adormecerem juntos.

Com o clarear dos primeiros raios de sol, Marcelo balança Daniela insistentemente fazendo-a acordar assustada. Ao se olhar viu seu corpo embebido em sangue, sentia aquela viscosidade escorrendo em sua pele e espalhando-se cada vez mais.

Marcelo levantou e se encostou num canto do quarto enquanto Daniela se debatia para retirar o liquido vermelho de seu corpo quando encontrou embaixo de seu travesseiro o mesmo punhal deixado por Norberta em seu quarto e que também foi encontrado em sua cama no dia da morte de Dona Marilda, mas o mais assustador foi encontrar um olho azul ensangüentado e ao lado do punhal.

Daniela não teve outra reação a não ser correr para o quarto de Pedro Henrique e ao chegar se deparou com o garoto desfigurado sem o seu olho direito.

Neste momento Marcelo, chegou e não se conteve ao ver aquela cena de horror, afastou-se de Daniela que portava em suas mãos  o punhal e o olho de seu filho.

Daniela ficou paralisada até notar algo se movimentando em seu quarto, vagarosamente e sem conseguir pronunciar qualquer palavra viu surgir em sua frente a figura de Norberta segurando o vidro que havia deixado em seu quarto e na parede gotas de sangue formaram a mesma frase que estava no caderno de Norberta:  “Aos males que te afligem eu tenho a resposta, para as vontades que se escondem eu tenho a solução, a mim você deve um sacrifício”

Daniela tentou gritar, mas estava emudecida. Soltou o punhal e o olho de seu filho que foram subitamente capturados por Norberta.

Olhando fixamente para a imagem Norberta, Daniela viu a imagem da velha sorrindo e desaparecendo entre a parede.

Marcelo conseguiu fugir sem ser visto e chamou a polícia.

Daniela foi acusada, julgada e condenada pela morte de sua mãe e seu filho. Perdeu tudo que seu trabalho lhe deu. Na cadeia se matou.

Norberta nunca mais foi vista e o caderno de magias ninguém encontrou.